EDUCAÇÃO INFANTIL E DESEMPENHO
Fernando Veloso
O ensino infantil de
qualidade pode aumentar a eficiência escolar e reduzir a desigualdade social
EXISTE
GRANDE interesse entre pesquisadores e gestores em entender como a educação
infantil pode contribuir para melhorar o desempenho escolar. A literatura
acadêmica mostra que a educação infantil pode gerar vários benefícios.
Por
exemplo, pesquisas em neurociência mostram que o aprendizado é mais fácil na
primeira infância que em estágios posteriores. A educação infantil também pode
contribuir para o estímulo de certas características de comportamento e traços
de personalidade, como sociabilidade, autoestima, persistência e motivação.
Vários
estudos mostram que essas características melhoram o desempenho educacional.
Além disso, reduzem a probabilidade de envolvimento com drogas e atividades
criminosas. Em razão dessas evidências, vários países têm elevado os
investimentos na educação infantil e atribuído importância crescente a esse
nível de ensino no sistema educacional.
No
Brasil, várias mudanças na legislação foram efetuadas com essa finalidade desde
a década de 1990.
Nesse
período, a educação infantil foi incorporada ao nível da educação básica e
passou a contar com uma importante fonte de financiamento, com a criação do
Fundeb, em 2007. Além disso, a emenda constitucional 59/2009 estabeleceu a
obrigatoriedade do ensino para todas as crianças a partir de quatro anos.
Um
estudo recente da Fundação Carlos Chagas mostrou, porém, que a qualidade da
educação infantil no Brasil é muito baixa. A pesquisa avaliou a qualidade do
ensino infantil em Belém, em Campo Grande, em Florianópolis, em Fortaleza, no
Rio de Janeiro e em Teresina. Tanto na creche como na pré-escola, a média geral
foi um pouco acima de 3, correspondente ao nível básico, em uma escala na qual
o menor nível era inadequado (pontuação entre 1 e 3) e o nível máximo era
excelente (8,5 a 10).
Entre
as áreas avaliadas, as atividades desenvolvidas com as crianças tiveram a pior
avaliação, sendo classificadas no nível inadequado. A estrutura do programa,
que estabelece as rotinas diárias, também teve uma pontuação muito baixa.
Nesse
contexto de baixa qualidade dos serviços prestados, é pouco provável que a
expansão da oferta de educação infantil no Brasil tenha os efeitos desejados.
Para que a educação infantil possa melhorar significativamente o desempenho
escolar, é necessária uma combinação de características, como mostram várias
pesquisas.
Primeiro,
os professores devem receber treinamento intensivo e possuir formação
específica para lecionar no segmento de educação infantil. Outra característica
importante é um baixo número de crianças por professor, para permitir que os
professores dediquem uma atenção diferenciada para cada criança. Além disso, é
preciso que as atividades diárias sejam guiadas por uma estrutura curricular
específica para essa faixa etária.
Finalmente,
é muito importante que os pais sejam envolvidos na educação de seus filhos.
Nesse sentido, a creche ou a pré-escola não devem ser vistas como um substituto
da família, mas como uma ferramenta complementar na construção de um ambiente
de aprendizado estimulante para as crianças.
Pelo
fato de serem intensivos e se caracterizarem por turmas pequenas e professores
com treinamento específico, os programas bem-sucedidos de educação de primeira
infância em geral são mais caros que as alternativas tradicionais.
Portanto,
será um grande desafio expandir o acesso à educação infantil no Brasil com o
nível de qualidade necessário. Uma boa notícia é que vários estudos mostram que
seus benefícios são muito superiores aos seus custos.
Além
disso, a oferta de ensino infantil de qualidade tem se mostrado eficaz para
melhorar o desempenho escolar de crianças criadas em ambientes socioeconômicos
muito desfavoráveis. É um exemplo raro de uma política pública que pode ao
mesmo tempo aumentar a eficiência e reduzir a desigualdade social. Não vai ser
fácil, mas é um desafio que é muito importante enfrentar.
FERNANDO VELOSO, economista
e professor do Ibmec/RJ,